sábado, 31 de julho de 2010

Resenha VAINER, Carlos B. Por Vanessa

Texto: VAINER, Carlos B. - Pátria, empresa e mercadoria - Notas sobre a estratégia
discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: A cidade do pensamento único:
desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes 2000.


O autor coloca o planejamento estratégico, como o modelo que ocupou o tradicional
padrão tecnocrático- centralizado- autoritário entre os modelos de planejamento
urbano. Este foi inspirado nos conceitos oriundos do planejamento empresarial.
E para Borja, “as cidades se conscientizam da mundialização da economia e da
comunicação” e, em conseqüência, “ se produz crescente competição entre territórios
e especialmente entre seus pontos nodais ou centros, isto é, as cidades” (1995,
p.276).
E a nova questão urbana teria, agora, como nexo central a problemática da
competitividade urbana, competir pelo investimento de capital, tecnologia e
competência gerencial; competir na atração de novas indústrias e negócios; competir
na aração de força de trabalho adequadamente qualificada.
Destaca o crescente número de cidades brasileiras e na América Latina em geral,
que vêm contratando os serviços de consultoria dos catalães e de seus discípulos, ou
utilizando seus ensinamentos.
E com isso, dentro da proposta de planejamento estratégico, o autor mostra a
paradoxal articulação de três analogias constitutivas: A cidade mercadoria, cidade
empresa e a cidade pátria. Procurando evidenciar que este projeto de cidade implica
direta e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais globalizados e
dependentes, em grande medida do banimento da política e da eliminação do conflito
e das condições de exercício da cidadania.
Então a cidade mercadoria, para o autor, seria “uma cidade a ser vendida, num
mercado extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda”.
Isto explicaria que o chamado marketing urbano se imponha cada vez mais como uma
esfera específica e determinante do processo de planejamento e gestão de cidades.
E essa venda irá depender de quem se tem em vista como comprador. E
necessariamente esta ligada aos atributos específicos que constituem, insumos
valorizados pelo capital transnacional, como, parques industriais e tecnológicos,
comércio, segurança, etc. Dentro desses aspectos o mercado externo, constituído
pela demanda de localizações pelo grande capital é o que qualifica a cidade como
mercadoria.
Por fim, pode-se afirmar que, transformada em coisa a ser vendida e comprada, tal
como a constrói o discurso do planejamento estratégico, a cidade não é apenas uma
mercadoria, mas também uma mercadoria de luxo, destinada a um grupo de elite de
potenciais compradores: capital internacional, visitantes e usuários solváveis.
A analogia da cidade- empresa constitui a condição mesma da possibilidade de
transposição do planejamento estratégico de seu território natal para o território
urbano.
Neste caso, para os catalões, “as grandes cidades são as multinacionais do século
XXI”. Para efeito de seu planejamento, a cidade toma como protótipo a empresa
privada e todo o urbanismo modernista teve como modelo ideal a fábrica taylorista.
Mas isso não minimizou as inovações trazidas pela difusão do modelo estratégico.
Agora PE a cidade que aparece assimilada à empresa. Produtividade, subordinação,
competitividade dos fins à lógica do mercado, o que Harvey chamou de
empresariamento da gestão urbana (Harvey, 1996)
Assim, a cidade como empresa significa “ter como horizonte o mercado, tomar
decisões a partir das informações e expectativas geradas no e pelo mercado. É o
próprio sentido do plano, e não mais apenas seus princípios abstratos, que vem do
mundo da empresa privada. E com isso, a parceria público- privada, assegurará que
os sinais e interesses do mercado estarão adequadamente presentes, representados
no processo de planejamento e de decisão.
Nesse sentido, segundo Carlos “o que é central é que a analogia cidade- empresa não
se esgota numa proposta simplesmente administrativa ou, como muitas vezes
pretendem apresentar seus defensores, meramente gerencial ou operacional. Na
verdade, é o conjunto da cidade e do poder local que está sendo redefinido. O conceito
de cidade, e com ele os conceitos de poder público e de governo da cidade são
investidos de novos significados, numa operação que tem como um dos esteios a
transformação da cidade em sujeito/ator econômico... mais especificamente, num
sujeito/ator cuja natureza mercantil e empresarial instaura o poder de uma nova lógica,
com a qual se pretende legitimar a apropriação direta dos instrumentos de poder
público por grupos empresariais privados.”
E por fim, finaliza sobre a cidade pátria. Coloca que a cidade- empresa constitui uma
negação radical da cidade enquanto espaço político.
Na empresa reina o pragmatismo, o realismo, o sentido prático e a produtividade é
a única lei. Coloca, portanto, o questionamento de com seria viável construir política
e intelectualmente as condições de legitimação de um projeto de encolhimento tão
radical do espaço público, de subordinação do poder público, às exigências do capital
internacional e local? A resposta seria através do consenso, pois sem este não há
qualquer possibilidade de estratégias vitoriosas.
A construção política d projeto ideológico não está ausente da reflexão dos catalães,
que está estruturada na necessidade de uma consciência de crise e o patriotismo de
cidade.
“Se não há consciência de crise, dificilmente se pode encontrar um consenso público-
privado operativo. Os desacordos sobre o imediato se impõem sobre o acordo de
fundo” ( Forn y Foxà, 1993, p. 11).
O sentimento de crise pode ser passageiro. Mas como construir um consenso sem
brechas? A resposta está na transformação do passageiro sentimento de crise
num consistente e durável patriotismo de cidade. Pautados segundo Borja & Forn
na, “geração de um patriotismo da cidade que permita a seus líderes, atores e
conjunto da cidadania assumirem ”... seu passado, futuro e presente em todos os
campos.
“Cabe ainda ao governo local a promoção interna à cidade para dotar seus habitantes
de ‘patriotismo cívico’, de sentido de pertencimento, de vontade coletiva de
participação e de confiança e crença no futuro...” (Castells & Borja, 1996, p. 160).
Um dos elementos essenciais do planejamento estratégico é a criação das condições
de sua instauração enquanto discurso e projeto de cidade. O patriotismo de cidade, ao
contrário do sentimento de crise, não é condição, mas resultado do sucesso do próprio
projeto. A unidade do discurso sobre a cidade é a unidade que se pretende construir.
Por fim, uma vez conquistada à trégua social pelo sentimento generalizado de crise, a
promoção sistemática e planejada do patriotismo de cidade constitui vetor estratégico
da reprodução das condições da paz social no contexto da cidade- empresa e agora
também da cidade-pátria.

O QUE DIZEM OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS

Fausto Oliveira

Os principais movimentos sociais urbanos brasileiros têm visões muito detalhadas sobre o papel da Jornada de Lutas por Reforma Urbana. A gama de problemas que será abordada em nos protestos que acontecerão nos dias 1 e 2 de outubro é ampla. Segundo as lideranças ouvidas pelo Fase Notícias, o governo federal é o primeiro a ser cobrado. Políticas públicas de moradia, transporte, saneamento e outras áreas, além da sempre atual reivindicação por mais espaços de participação social na gestão de cidades, estados e do país.

Para Donizete Fernandes, da União Nacional por Moradia Popular, uma das principais questões desta jornada é o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Este fundo conta com centenas de milhões de reais para reduzir o espantoso déficit habitacional brasileiro. Mas, segundo Donizete, não adianta apenas destinar recursos, seria preciso trabalhar em parceria com as organizações comunitárias auto-gestionárias. “O governo está pressionado pelo déficit habitacional que não diminui mesmo aplicando recursos, porque os recursos públicos acabam nas empreiteiras. Quando Lula entrou, o déficit era de 7 milhões de casas, quando sair poderá estar maior. A não ser que o governo trabalhe com a sociedade organizada”, diz ele. Donizete fala da reivindicação por transferência direta de recursos do Fundo para cooperativas e associações que podem, elas próprias, construir suas casas. A seu modo, de acordo com suas necessidades. Se não é assim, o recurso público será novamente destinado à construção de moradias de mercado, restritas a pessoas que não fazem parte das estatísticas do déficit habitacional.

“Vamos cobrar uma atitude enérgica para evitar despejos forçados. Queremos dar uma sacudida nessas questões”, afirma Antonio José, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia. Ele se refere aos trágicos casos de despejo que ocorrem com freqüência em muitas cidades, segundo uma lógica de considerar sagrada a propriedade privada, e descartável o direito à moradia adequada. Quando um grupo de sem teto ocupa um prédio vazio ou abandonado – seja público ou privado – o fazem porque uma edificação vazia não cumpre sua função social. Enquanto isso, muitos dormem nas ruas. Ao exigir que o Estado dê uma destinação social imediata ao prédio ou área em questão, os sem teto recebem da Justiça uma ordem de reintegração de posse, da polícia recebem violência às vezes com mortes, e da sociedade recebem uma indiferença que deve ser difícil de aceitar. Por isso tudo, a Jornada vai exigir dos governos e da Justiça uma mudança de comportamento com relação a situações de ocupação de prédios. Se isso não mudar, continuaremos vivendo naquele Brasil de antigamente, onde a questão social era considerada caso de polícia.

Benedito Barboza, da Central de Movimentos Populares, destacou a necessidade de políticas públicas de transporte que favoreçam os mais pobres. “Milhares de pessoas nas regiões metropolitanas têm que se locomover por longas distâncias a pé, dado o alto custo do transporte”, afirmou ele. Outro ponto que ele põe em relevo é o Plano de Aceleração do Crescimento, a iniciativa do governo federal para movimentar a economia por meio de obras públicas. As cidades vão receber grande parte destes recursos para obras de infra-estrutura urbana. Por isso, Benedito acredita que “esses recursos podem parar na mão de empreiteiras e não beneficiar quem precisa, que é a população moradora de periferias e favelas. A gente quer participar do controle social desses recursos”.

Wander Geraldo, da Confederação Nacional das Associações de Moradores, afirmou a necessidade de pressionar o governo e o Congresso a regulamentar a lei 11.445/2007, que criou o Sistema Nacional de Saneamento Básico. “Esta lei teve participação popular antes de sua aprovação, por isso ela ficou muito boa. Ela obriga o poder público a planejar o saneamento no país, dá ao Estado o poder regulador do setor e cria mecanismos de participação social em todas as etapas do processo de saneamento”, diz ele. A lei foi sancionada pelo presidente Lula em janeiro deste ano, mas ainda depende de regulamentação. Por isso, a Jornada vai fazer pressão pela regulamentação.

TEXTOS INDICADOS:


JACOBI, Pedro. “Movimentos sociais urbanos numa época de transição: limites e potencialidades”. In: Sader, Emir (org.). Movimentos sociais na transição democrática. São Paulo: Cortez, 1987, pp. 11-22 (ISBN 85-249-0083-0)

KRISCHKE, Paulo J. (org.). Terra de habitação x terra de espoliação. São Paulo: Cortez, 1984, 88p.

Gohn, Maria da Glória. (org.).Movimentos sociais no início do século XXI: anigos e novos atores sociais. Petrópolis, RJ:Vozes,3.ed, 2007.

KRISCHKE, Paulo J.; LEITE, Airton Andrade; PORTO, Dora Nogueira; VASCONCELLOS, Eliana J. Godoy de; CAMACHO, Thimoteo (orgs.). Movimentos de bairro: dilemas e alternativas. São Paulo: EDUC, 1987, 75p.

RELATÓRIO FINAL por Vanessa Diniz

Através da proposta e dos textos indicados na disciplina, pude ampliar a
discussão teórica sobre o tema que escolhemos como interesse de estudo do nosso
blog.
E Trazendo a temática das ocupações no âmbito urbano para a disciplina
de núcleo temático pude observar que as cidades brasileiras são cada vez mais
marcadas pela desigualdade, fragmentação e segregação socioespacial.
O quadro de exclusão territorial nas cidades do Brasil contemporâneo vem
aprofundando os processos de segmentação urbana, onde predomina a pobreza e
precariedade urbana. Sendo o crescimento de territórios ilegais e irregulares no país
os indicadores da gravidade da situação urbana no Brasil.
Não esquecendo que a desigualdade no Brasil passa essencialmente pela
questão fundiária e, portanto, na concepção do grupo foi fundamental levantar a
discussão em torno dos movimentos sociais no Brasil e sendo este o tema principal do
nosso seminário para apresentação do blog.
Historicamente, as invasões de áreas públicas e particulares são formas
antigas de protesto popular, com isso, a falta de áreas livres para a instalação
de novas favelas, posteriormente o inchamento das mesmas dentro dos limites
suportáveis, as restrições impostas pelas novas leis dificultando a abertura de novos
loteamentos, a valorização desmesurada do preço da terra impossibilitando a compra,
aliados à crise econômica, inflação e desemprego, levam à retomada da forma de luta
pela moradia.
A prática das invasões não ficou restrita às áreas para moradia. Ela se tornou
uma prática ao longo de 1984-85, para forçar as autoridades assumirem a postura
orientada pela Constituição Federal.
Invadiram-se sedes de órgãos públicos- administrações regionais autarquias,
postos de atendimento etc. como novas frentes de luta e pressão popular. Muitas
destas invasões estiveram relacionadas com o problema da moradia.
Portanto, penso que a atuação dos movimentos sociais é central no que se
refere à qualquer tipo de reivindicação que se discute sobre ocupações urbanas.
Visto que os movimentos sociais representam forças sociais organizadas, que
atuam por mudanças sociais emancipatórias , pertencimento social e autonomia.
Contudo sobe a atuação do capitalismo, tendo seu reforço nas políticas
neoliberais, representada pela reestruturação produtiva, pela reprodução expandida
mais a acumulação por espoliação, fazendo parte do processo de expansão do
capitalismo que se contrapõem a luta social, reflete diretamente nos movimentos
sociais.
Levando-os a um apassivamento das lutas sociais, encapsuladas em
reivindicações de cunho imediato (corporativas) e circunscritas a níveis de consciência
coletiva elementar (NEVES, 2005).
Com isso,a
investida do capitalismo têm acirrado as características
particularistas, cada um defendendo sua própria bandeira, limitando assim, a ação dos
movimentos sociais e sobretudo a relevância da luta de classes.
“ registrando nas últimas décadas uma perda de horizontes totalizantes, ou, se quiser,
uma crise da historicidade industrialista e sua substituição por uma multiplicação de novas
práticas coletivas segmentadas” (Sônia Larangeira, cita , Calderón & Jelin, 1987:82).
Com essa fragmentação, a verdadeira luta pela universalização dos direitos
(não apenas acesso a serviços) tem sido perdida e com isso, fortalecendo o status
quo .
Por isso, acredito que ser otimista é difícil, mas só a dedicação às mudanças
que poderá haver um horizonte para transformações efetivas.
E vejo na formação política esse horizonte. A formação, portanto, precisa ser
usada como estratégia para a transformação da realidade.
Levando, assim, a prática política, que segundo Iasi é:
“ ... tarefa específica de refletir, superar a aparência das coisas, buscar compreender
a realidade (seja da sociedade ou do movimento ou da organização na qual se
atua) para transformá-la, produzir saltos de qualidade na eficácia de nossa ação.”

Bibliografia:
IASI, Mauro Luis; Ensaios sobre consciência e emancipação – 1 ed- SP: Expressão
popular. 2007
LARANGEIRA Sônia; Classes e movimentos sociais na América Latina- SP: Editora
Hucitec. 1990



Por Vanessa Diniz

quarta-feira, 21 de julho de 2010

As duas faces da cidade brasileira

Os problemas urbanos se acumulam, prejudicam tudo e todos e a única solução possível é a sustentabilidade

Nabil Bonduki

As cidades brasileiras são cada vez mais marcadas pela desigualdade, fragmentação e segregação socioespacial. É possível a um visitante passar alguns dias em São Paulo sem conhecer a cidade real, achando que o único problema urbano da cidade é o trânsito infernal e alguns pedintes que encontra pelo caminho, além da poluição visual, que começa a ser enfrentada pela prefeitura.

Ele chega ao Aeroporto de Congonhas, passa pelo Parque do Ibirapuera, se hospeda em um hotel nos Jardins, freqüenta reuniões de negócios na Avenida Paulista ou na região da Berrini, faz compras na Oscar Freire ou num dos shoppings chiques da região, visita um museu ou uma galeria de arte nas imediações e se diverte à noite em bares, restaurantes ou casas noturnas da Vila Madalena ou de Moema. No máximo, arrisca-se a ir ao centro, onde encontra marcas da memória da cidade entremeadas por edifícios vazios ou ocupados por "sem-tetos" - questões que são freqüentes em quase toda cidade do mundo onde existem áreas antigas.

Se nosso visitante não for assaltado em algum dos percursos, termina o período de visita com a impressão de que a cidade é moderna, arborizada, limpa, bem servida de equipamentos e com opções de lazer e de consumo a fazer inveja a qualquer cidade de "primeiro mundo". Se não conversar muito sobre o assunto com os paulistanos e não ler os jornais, pode até sair com a impressão de que a cidade é segura: os índices de violência nos bairros de classes média alta e alta de São Paulo, como Jardim Paulista, Alto de Pinheiros e Moema, são um nono da média da cidade e um vinte avos dos índices verificados nos distritos mais violentos da cidade, como o Grajaú, na Zona Sul, ficando próximos dos auferidos em países como Portugal e Espanha.

Situações semelhantes podem acontecer em várias outras cidades brasileiras, embora às vezes ocorra algo parecido com o Rio de Janeiro, onde o cenário encantador da zona sul é emoldurado pelo morro repleto de barracos que não deixa ninguém se esquecer de que a pobreza urbana coabita na cidade maravilhosa.

Curitiba alimentou, por décadas, um marketing positivo que faz as pessoas comuns e até mesmo especialistas desavisados, do país e do exterior, acreditarem ser ela uma cidade modelo, onde o planejamento deu certo. City tours são cuidadosamente organizados pela prefeitura para mostrar o pedaço da cidade onde tudo parece funcionar bem. Do transporte coletivo aos parques bem cuidados, dos Faróis do Saber ao Teatro de Arame, circulando pelas ruas e avenidas planejadas, parece que ali tudo é projetado por arquitetos numa verdadeira cidade modelo. No entanto, essa cidade espetáculo, que projetou seu prefeito no mundo e é cantada em prosa e verso pelos quatro cantos do país como a exceção no cenário urbano brasileiro, guarda bem escondida uma cidade ilegal e precária que em nada difere do quadro dramático presente nas demais metrópoles do país: o aglomerado metropolitano de Curitiba apresentava em 1997 nada menos do que 753 áreas de ocupação irregular, num total
de mais de 81 mil domicílios, ou seja, 12,5% do total da região.

O quadro de exclusão territorial nas cidades do Brasil contemporâneo vem aprofundando os processos de segmentação urbana, criando guetos explosivos onde predomina a pobreza, a precariedade urbana, o desemprego e a violência e ilhas de conforto e opulência - condomínios fechados, shoppings centers e edifícios comerciais inteligentes - cercados por altos muros, cercas elétricas, seguranças armados e câmaras de controle. Um modelo que lembra as cidades do apartheid da África do Sul do regime racista pré-Nelson Mandela e que, se for aprofundado, nos levará a uma cidade inviável, como desaparecimento do espaço público, o predomínio do automóvel como o meiode transporte preponderante e um desastre ambiental que apenas se delineia.

A FAVELIZAÇÃO DA CIDADE BRASILEIRA
O exemplo de Curitiba mostra que são raras as cidades onde os pedaços bem cuidados e preservados da precariedade urbana não são ilhas de fantasia rodeadas por territórios produzidos informalmente, onde predomina a carência de infra-estrutura, irregularidade fundiária e falta de qualificação urbana. A expansão das favelas, a consolidação de cortiços e a disseminação de loteamentos ilegais e irregulares caracterizam a maior parte das cidades brasileiras no início do século 21. É muito difícil existir no país alguma cidade relevante que não apresente uma dessas marcas.

Levantamento realizado pelo Ministério das Cidades nos 5.591 municípios brasileiros mostrou que, pelo menos, 28% (1.519) deles abrigam favelas, número que atinge 90% se forem considerados apenas os municípios com mais de 500 mil habitantes. Cerca de 10% das prefeituras (540) declararam abrigar no seu território cortiços e 46% afirmaram a existência, em seus municípios, de um total de 63 mil loteamentos irregulares cadastrados, número certamente subestimado. O conjunto dessas situações delineia a desigualdade socioeconômica e cultural brasileira.

O crescimento de favelas é um dos indicadores da gravidade da situação urbana no Brasil. Enquanto a população brasileira cresceu, na última década, 1,98% ao ano, a população moradora de favelas cresceu mais de 7%, segundo os subestimados dados do IBGE, que excluem as favelas com menos de 50 barracos. O Brasil terminou o século 20 com 3.905 favelas identificadas pelo Censo, com um aumento de 22,5% em relação a 1991. Esse aumento, alarmante em termos porcentuais, esconde um crescimento ainda maior da população vivendo em favelas, que se deparara com um adensamento demográfico interno, resultante de novas construções, ampliação familiar ou da transformação de barracos unifamiliares em cortiços no interior das favelas, o que significa a sobreposição de dois problemas urbanos.

Os territórios ilegais e irregulares no país vêm se ampliando, fenômeno que se articula com o crescimento da insegurança pública. O fenômeno está longe de se restringir aos estados e cidades mais pobres. São Paulo, o estado mais rico do país, apresenta o maior número de favelas, concentrando quase 40% desse universo; a cidade de Ribeirão Preto, localizada numa região privilegiada, chamada de Califórnia Paulista, incorporou mais de 16 mil moradores em favelas na década de 1990, com um crescimento de 244%, segundo dados da própria prefeitura.

Essa tragédia tem se agigantado, em vez de diminuir com as intervenções do poder público, marcada por programas de urbanização e regularização fundiária de assentamentos irregulares que se espalham pelo país, ainda de forma tímida. As maiores cidades brasileiras, em especial as metrópoles, passaram a abrigar de 20% a 50% de sua população em favelas, crescimento este que se deu em apenas 30 anos. Durante esse período ocorreu um empobrecimento das cidades e uma intensa redistribuição populacional no Brasil, resultantes de um progressivo esvaziamento rural, de um deslocamento em direção à fronteira agrícola, bem como um contínuo e intenso fenômeno de metropolização. Em 1970, apenas 1% da população da cidade de São Paulo vivia em favelas. Em 2000, essa população saltou para números próximos a 20%. Em todas as regiões o quadro é dramático: 33% da população de Salvador vive em favelas, 28% em Fortaleza, 20% em Belo Horizonte, 13% em Goiânia, 40% no Recife e nada menos que 50% em Belém.

Nas principais cidades do país ocorre um fenômeno cruel: as áreas mais bem servidas de infra-estrutura, emprego e qualidade urbana vêm perdendo população moradora, enquanto as regiões periféricas, desprovidas de benefícios urbanos, e as áreas de proteção ambiental, que deveriam ser preservadas, crescem de forma acelerada gerando graves problemas de mobilidade e depredação ambiental.

A CIDADE EXCLUDENTE CONTRA O MEIO AMBIENTE
A terra urbanizada, localizada em regiões aptas a receber assentamentos humanos e provida de serviços, equipamentos e infra-estrutura, vem se tornando cada vez mais cara e inacessível, por mecanismos de mercado, para a população de baixa renda e até mesmo de média baixa renda. Assim, os que não têm recursos são levados a ocupar irregularmente lugares cada vez mais distantes, precários e perigosos. Como as regiões de interesse ambiental - protegidas legalmente - não podem ser utilizadas para empreendimentos imobiliários de mercado, elas se tornam mais vulneráveis para abrigar os assentamentos irregulares de baixa renda. Assim, serras e terrenos de acentuada declividade, áreas de proteção de mananciais, margens dos córregos e rios, mangues e áreas públicas destinadas a praças e ao verde vêm sendo ocupadas à luz do dia, com a omissão do poder público e o interesse dos proprietários, que vêem nesse processo uma maneira de dar uso econômico a suas áreas.

Por muito tempo, o poder público, nos três níveis de governo, esteve ausente na formulação de uma política urbana e fundiária articulada com uma política habitacional de interesse social. Quando muito, a política habitacional se resumiu a produzir milhares de "casinhas" localizadas em conjuntos habitacionais como Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e Cidade Tiradentes, em São Paulo, ambos localizadas a mais de 30 quilômetros dos centros urbanos. Esses locais ermos e desérticos, verdadeiras cidades-dormitório que se tornaram campeãs dos índices de violência, foram implantados através de terraplanagens criminosas, que geraram processos erosivos e o assoreamento de córregos e rios, com graves danos ambientais.

Não resta dúvida de que esse modelo de cidade excludente nos levará a um beco sem saída para todos. A continuar os processos em curso, os mananciais nas regiões metropolitanas ficarão comprometidos; a falta de áreas verdes - além de tornar ainda mais precárias as condições de vida urbana dos mais pobres - contribuirá para o aquecimento global; a ocupação das áreas de proteção permanente nas beiras de córregos agravará as enchentes urbanas e nas áreas de declividade acentuada levará a mais mortes por deslizamento.

Até recentemente, esses problemas foram desconsiderados, mas estamos chegando em um limite que leva a sociedade a tomar consciência da gravidade da situação. A aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, depois de 13 anos de debates no Congresso Nacional, criou novos instrumentos urbanísticos para combater a retenção de terrenos e imóveis ociosos e fazer cumprir a função social da propriedade. Mas nos municípios, a aplicação do Estatuto depende dos planos diretores, que devem propor como objetivo a reversão desses processos excludentes e utilizar os novos instrumentos para estimular a produção de habitação de interesse social em áreas bem localizadas.

UMA CIDADE SUSTENTÁVEL
Esse modelo de cidade é insustentável. Não só para os sofrem diretamente as conseqüências desse processo de exclusão territorial, mas para toda a população urbana. Ele pressupõe uma cidade baseada no automóvel, nos deslocamentos diretos das garagens dos condomínios para os estacionamentos dos shoppings e dos grandes edifícios comerciais. Pressupõe fortalezas e torres de vidros fechadas por sistemas de ar condicionado, vigiadas permanentemente. Pressupõe um crescimento horizontal ilimitado, destruindo áreas de proteção ambiental e zonas rurais, o chamado cinturão verde. Pressupõe o esvaziamento do espaço público, que vem junto com a insegurança das ruas.

São dinâmicas urbanas que não poderão se manter. No Estado de São Paulo, a frota de veículos cresceu, entre 2002 e 2006, quatro vezes mais do que a população, atingindo uma média de um veículo para cada 2,6 habitantes. Esse número só tende a crescer com o aumento da frota de carros usados e com uma pequena melhoria na renda da população: em São Caetano, na região metropolitana de São Paulo, já existe um veículo para cada 1,4 habitantes, número próximo a dos EUA, o país do automóvel.

Se as cidades brasileiras não alterarem a maneira como lidam com a mobilidade urbana, priorizando o transporte coletivo e levando os motoristas a deixarem os carros em casa, as cidades se tornarão inviáveis, com congestionamentos monstruosos, alto consumo de energia e forte geração de fumaça. Tudo contribuindo para o aquecimento global.

Esse modelo de cidade que o Brasil está alimentando - tanto na parcela excluída como na integrada ao mercado - produz, como se vê, um forte impacto negativo no meio ambiente. Mas nem tudo está perdido, pois se difunde na sociedade uma consciência de que é necessário reverter esse processo, caminho que não é simples nem rápido, pois significa enfrentar fortes interesses - imobiliários e industriais - e uma cultura urbana firmemente estabelecida nas classes sociais mais privilegiadas, que vêm se acostumando a um modo de vida baseado na fragmentação, na segregação social e no culto ao espaço privado e individual.

Nabil Bonduki é arquiteto e urbanista. Professor de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e pesquisador e consultor em política urbana e habitacional

Prédios ilegais são ocupados no Recreio para dificultar demolição


20/7/2010 9:58, Redação, com agências - do Rio de Janeiro

A tática de ocupação de prédios inacabados para dificultar a ação da prefeitura está se tornando mais disseminada. A suspeita da prefeitura se confirmou: o prédio inacabado e já habitado – que na semana passada foi detectado por fiscais no Recreio dos Bandeirantes , durante a demolição de outro edifício – não tem mesmo licença de construção da Secretaria municipal de Urbanismo (SMU). O imóvel fica na Rua DW, lote 15, foi batizado de Condomínio Pontal Uno e está com apenas 50% de suas obras concluídas. Ele é vizinho do prédio que foi demolido pela Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop) no dia 13. Segundo o órgão, o edifício deverá ser derrubado daqui a no máximo dez dias.

Na rua – que tem cerca de 800 metros de extensão, com lixo, buracos e muita lama -, outros dois prédios estão na mesma situação. Eles ficam a mais ou menos 400 metros do Condomínio Pontal Uno. Os dois edifícios têm quatro andares e somente cerca de 50% das obras foram concluídas. Apesar de já haver gente morando nos imóveis, há paredes ainda apenas nos tijolos e operários trabalhando na construção. Na região, a lei do silêncio impera e ninguém quer falar quanto pagou pelos apartamentos ou de quem os comprou. Um imóvel de dois quartos na área custa cerca de R$ 100 mil.

A região ficou conhecida como “o epicentro da desordem” por causa do grande número de construções ilegais. No lugar, se tornou comum o artifício de habitar construções inacabadas, pois isso torna mais demorado o processo de despejo e demolição.

- Aqui, as construções levam 20 dias (para ser habitadas). É uma rua sem lei, no aspecto urbanístico. Como quase todos moram em imóveis não licenciados pela prefeitura, ninguém gosta de falar sobre o assunto. O pessoal da Seop vai enxugar gelo aqui na área – disse um morador.

A SMU informou que, no primeiro semestre deste ano, a Gerência de Licenciamento e Fiscalização da Barra da Tijuca emitiu oito notificações de demolição (ou seja, referentes a imóveis que ainda vão ser derrubados). Os números abrangem uma área grande, que, além de Barra e Recreio, inclui Vargem Grande e Pequena, Itanhangá, Joá, Camorim e Grumari. Na mesma área, também nos primeiros seis meses de 2010, foram emitidos 78 embargos e 84 intimações. Além disso, foram concedidas 132 certidões de habite-se. Segundo a SMU, na região são feitos 160 pedidos de licenciamento por mês.

O Circo Voador e as ocupações de Sem Teto na cidade do Rio de Janeiro.

A cidade é uma disputa, um combate, um processo de construção, apropriação e exclusão. Planejada e gerenciada para favorecer uma casta seleta da sociedade e reproduizir a lógica de acumulação do capital exclui a maior parcela da população de todas as ferramentas de cidadania. Sem o oferecimento dos serviços básicos a vida e sem alternativas de geração de renda satisfatória sobram aos trabalhadores da cidade as favelas, as periferias precarizadas e as “cabeças de porco” da região central. Quando a situação se agrava mesmo estas áreas tornam-se inacessíveis, o aluguel não pode ser pago e a rua é o último palco de um cidadão privado do trabalho, da cidade e de sua identidade. É de baixo das marquises, dos viadutos, nas ruas à noite que se vê o verdadeiro retrato da produção da sociedade capitalista brasileira.
Neste contexto, no início da década de 80, inicia-se um processo de ocupação de áreas abandonadas. Os excluídos, em processo de transformação, assumem a cidade, a ocupam, e começão nestas áreas um novo projeto de organização da vida social. “Diferentemente das favelas, essas ocupações de terra ocorreram de forma planejada, tanto no que se refere aos futuros ocupantes como aos padrões urbanísticos utilizados (tamanho e localização dos lotes, vias de circulação e a reserva de áreas para implementação de equipamentos urbanos), transformando-se, em diversos casos, em verdadeiros loteamentos”. (GUIMARÃES, 1997: 66)
Mais do que uma luta pela moradia, a luta dos Sem Teto é por uma lugar na sociedade, mais do que concretude é uma luta simbólica, uma busca por reconhecimento e visibilidade. Essas ocupações transformam a paisagem da cidade assim como a identidade de seus ocupantes.
Existem hoje aproximadamente 30 ocupações de Sem Teto na Metrópole Carioca. Essas assumem características diversas, tanto no que se refere a sua forma, sendo em terrenos baldios das periferias, ou em prédios públicos da região central da cidade, como também em função, tendo como objetivo o simples direito à moradia ou sendo assumidas por movimentos sociais que reivindicam uma transformação estrutural da sociedade. O desenvolvimento de cada ocupação é especifico, enfrentando uma cidade e um sistema o futuro das mesmas é incerto.
Por este fato diversas organizações e movimentos sociais vêm sistematicamente prestando apoio a essas ocupações. Esses grupos de acessória percebem que nas ocupações existe um grau de inventividade e criatividade que deve ser estimulado e apreendido. Mesmo enfrentando inúmeras carências e dificuldades, inclusive os antigos vícios da cidade, a vida nas ocupações se organiza através de mutirões, cooperativas são formadas e a solidariedade funda as relações sociais assim como são escolas de formação política. O apoio de tais organizações é fundamental para a continuação desse processo.
O desenvolvimento de cada ocupação é uma experiência específica. Algumas perdem sua mobilização política ou são removidas pélas ação policiais, outras alcançam o direito de permanecia na área ocupada ou ainda geram novas ocupações. Contudo existe relativamente pouco registro de tais historias ou mesmo pouco contato entre elas.
O Fórum dos moradores das Ocupações de Sem-Teto? é uma estratégia de articulação entre essas ocupações e histórias, tem por objetivo o fortalecimento dos movimentos de transformação da cidade. Visa também uma maior visibilidade para a luta dos moradores das ocupações e o posicionamento de seu debate no bojo da sociedade.
No centro da Cidade do Rio de Janeiro existe uma ocupação nomeada de Zumbi dos Palmares (Av. Venezuela nº 171), tal ocupação existe à aproximadamente um ano e vem sendo vista como uma símbolo na luta dos Sem-Teto?. Entretanto os moradores da ocupação receberam a notificação judicial de reintegração de posse prédio ao INSS, proprietário oficial do mesmo, em um prazo de trinta dias. O Fórum poderia ser ainda um fato político capaz de reverter tal processo.
O Circo Voador, devido a seu caráter político e progressista na cidade do Rio de Janeiro, é o palco prefeito para a manifestação de tal encontro. Sendo também um parceiro fundamental na luta dos moradores das ocupações de Sem-teto. Convocamos assim o Circo Voador para a articulação deste evento.

Fernando Mamari
Membro do Comitê de Solidariedade aos Movimentos Sociais/UFRJ

terça-feira, 20 de julho de 2010